Introdução
O Sistema especial de liquidação e custódia, ou simplesmente, SELIC, causa muita confusão até mesmo entre aqueles que “entendem” de economia.
Você provavelmente já cansou de ouvir a resposta padrão sobre a definição da taxa SELIC, ” taxa de juros básica da economia”.
Sem respostas prontas, iremos debater ao longo desse texto, o que se trata realmente essa taxa, e como ela influencia a sua vida!
Fonte: BACEN
O gráfico acima representa a variação da taxa SELIC, desde a adoção do sistema de metas de inflação em 1999. É importante ressaltar que antes disso, em 1990, em seu recorde, a taxa de Juros Brasileira (antes da criação da SELIC) diária foi superior a 790.000,00% a.a.
Sistema de Metas – Taxa de Juros
No dia 4 de março de 1999, o Banco Central extinguiu o sistema de bandas de juros, criado em 1996. O governo passou a usar apenas uma taxa para sinalizar os juros de toda a economia, a SELIC. E em 21 de Junho de 1999, passou-se a adotar o sistema de metas de inflação.
Você sabe porque a maioria dos países têm uma taxa de juros, controlada pelo governo, e ainda, uma sistema de metas?
A inflação foi uma grande vilã na economia Brasileira, até o plano real, em 1994, e justamente, visando controlar este índice, criou-se a SELIC.
O funcionamento desse sistema depende da expectativas dos agentes econômicos, ao definir a taxa de juros, os agentes criam expectativas sobre a movimentação na economia do país, e isso interfere no curto prazo importantes indicadores como emprego, renda, inflação, investimentos na produção, e PIB.
Juros baixos indicam um aumento na demanda por bens e serviços, que ocasiona aumento no emprego e PIB, mas também, na inflação. Do mesmo modo, aumento no juros tende a refletir redução na inflação, e por isso a meta de juros foi adotada por diversos países.
Se ficou confuso, fique tranquilo, você entenderá ao longo do texto.
Mas afinal, o que REALMENTE é a taxa SELIC?
Para explicar isso, é necessário entender o que são as operações Overnight.
Como você deve imaginar, os Bancos não mantêm todo o capital depositado em sua tesouraria (cofre). Parte desse capital é emprestado, e assim gera lucros a instituição. Esse lucro, chamamos de Spread, que é basicamente a diferença entre a taxa de juros paga pelo tomador do empréstimo e a taxa paga pelo Banco para o investidor.
Essa prática, de não manter o total dos depósitos em sua tesouraria é denominada “alavancagem bancária”.
Isso só é possível pois as instituições financeiras sabem que as pessoas não irão sacar a totalidade do dinheiro depositado de uma única vez. Há também garantias oferecidas pelo BACEN (Banco Central do Brasil), como limite de saque diário e, caso julgar necessário, o BACEN pode bloquear temporariamente os saques de instituições financeiras.
O BACEN define limites para a alavancagem bancária, estabelecendo o percentual mínimo de reservas fracionárias, ou seja, quanto o banco deve deixar disponível de ativos líquidos em tesouraria.
Vejamos um Exemplo:
Se o Banco central estabelece que as reservas fracionárias são de 20%, isso significa que os bancos devem obrigatoriamente deixar disponível em sua tesouraria, no mínimo 20% do capital total depositado.
O que acontece se um banco, ao final do dia, não consegue manter o percentual mínimo de reservas fracionárias?
Diariamente, os Bancos verificam sua reserva fracionária. As instituições que estiverem com reservas abaixo do estabelecido pelo Bacen têm duas opções, apresentada com detalhes a seguir: empréstimos Overnight ou operações de Redesconto.
Overnight
O termo Overnight corresponde a operações de empréstimos que os Bancos fazem entre si, com prazos de um dia útil, para ajustar sua liquidez (quantidade de moeda com alta capacidade de conversão em dinheiro).
Caso o Banco, esteja com a reserva fracionária inferior ao estipulado pelo BACEN, ele pode optar por pegar empréstimos Overnight, com Bancos que estão com ativos acima acima da reserva fracionária.
A taxa de juros diária dessas operações, quando lastreadas em títulos públicos, é denominada SELIC OVER.
Redesconto
A segunda opção, para o BANCO que necessita de liquidez, é pedir dinheiro emprestado ao BACEN, caso não encontre uma instituição que ofereça o crédito.
A taxa cobrada pelo BACEN é superior a taxa de operações Overnight.
Ah, Então aquela taxa divulgada nos noticiários, cuja alterações são realizadas pelo COPOM (Comitê de política monetária), é a SELIC over?
Errado. Há duas SELIC’s, Over e meta. Entenderemos a diferença entre essas taxas.
SELIC OVER
Conforme já mencionado, essa é a taxa praticada no mercado, em operações do tipo Overnight.
SELIC META
O COPOM se reúne cerca de 8 vezes ao ano para a definição da taxa SELIC meta. Essa representa a rentabilidade que os títulos públicos deverão ter.
Após definida a SELIC meta, o objetivo da SELIC, torna-se responsabilidade do BACEN aproximar a SELIC Over a Meta estabelecida pelo COPOM.
Como o BACEN altera a Selic Over, para aproximá-la da meta?
Para isso, utiliza-se de política monetária, através de três principais mecanismos: Open Market, Redesconto, e reservas fracionárias.
Open Market
A principal forma de executar política monetária no Brasil é através do Open Market, que é a compra e venda de títulos públicos. Os bancos são maiores compradores de títulos públicos.
Em momentos que o BACEN pretende reduzir a taxa de juros ele pode entrar no mercado de títulos comprando-os. É como se o BACEN entrasse em cada um dos bancos, com bastante dinheiro no bolso, e comprasse parte dos títulos do governo que pertence ao banco.
Percebe o que ocorre nessa troca?
Os bancos trocam os títulos por moeda, que poderá ser emprestada a tomadores no mercado. Em outras palavras, o BACEN aumentou a oferta de crédito e a liquidez na Economia. Aumentando a oferta de crédito, e liquidez dos bancos, o Juros (Selic Over) cai, pois nesse novo cenário as instituições têm mais dinheiro sobrando.
A venda de títulos tem efeito contrário, reduzindo a oferta de moeda na economia, aumentando a Selic Over.
Redesconto
Conforme já apresentado, é um empréstimo do BACEN para os Bancos. Se o BACEN aumenta a taxa de redesconto, reduz o incentivo do banco a emprestar para tomadores de crédito no mercado.
Caso a taxa seja reduzida, aumenta o incentivo do Banco a se alavancar e emprestar mais, pois caso precise, o Bacen emprestará a uma taxa menor.
Reservas Fracionárias
Se o BACEN reduz a reserva fracionária, ele está autorizando os bancos a emprestarem um percentual maior do que é depositado. Ocasionando o aumento na oferta monetária e redução da Selic Over.
O aumento da reserva fracionária gera uma redução na oferta monetária e um aumento nos Juros e Selic Over.
De que forma a SELIC impacta na sua vida?
Para responder essa questão, ao longo do texto, apresentaremos seus efeitos nos Juros de Mercado, Câmbio, Inflação, Bolsa de Valores, Investimentos em Renda Fixa, Dívida pública e mercado imobiliário.
Juros do Mercado
Ao reduzir a Selic Meta, todos os juros no mercado tendem a ter o mesmo efeito, devido ao aumento da oferta monetária. Nesse cenário, o empréstimo no seu Banco, ou o financiamento do seu carro novo também vão ter redução nos juros.
Com o aumento da Taxa Selic, os Juros sobem, deixando mais caro financiar a sua casa própria ou seu carro novo!
Câmbio
Sabe aquela viagem para o exterior? A queda da SELIC favorece o aumento do dólar, tornando-a mais cara. Entenderemos melhor.
Se o juros do país cai, isso significa que ele está oferecendo uma rentabilidade menor a seus investidores, ao mesmo risco. Desse modo, investidores estrangeiros irão vender real no mercado (Aumentar a oferta de real, desvalorizando a moeda) e comprar dólar, principalmente (Aumentando a demanda, valorizando o dólar no Brasil).
Da mesma forma, um aumento da SELIC, atrai investidores, que trocam moedas estrangeiras pelo real, valorizando-o. Torna-se mais barato importar e viajar ao exterior.
Inflação
A partir dos mecanismos utilizados pelo BACEN, a queda da SELIC gera um aumento da base monetária. Portanto, esse aumento impacta em uma variação positiva na demanda por bens e serviços dessa economia, por sua vez, tende a um aumento generalizado dos preços, a inflação. Como a SELIC interfere na oferta de moeda na economia?
As alterações na SELIC, como já apresentadas, incentivam (na redução de Juros) ou desincentivam (no aumento de Juros) os Bancos a emprestarem maior volume de moeda, e assim, contribuem para o aumento (em queda de juros) ou redução (em crescimento do juros) da oferta monetária disponível.
Por esse motivo, a taxa SELIC é também a principal forma utilizada pelo BACEN para controle de inflação. Lembre-se, a taxa de juros é o preço do dinheiro ao longo do tempo, representa o quanto o mercado deseja receber (de juros) para emprestar dinheiro no presente, e consumir no futuro.
Bolsa de Valores
A SELIC é inversamente proporcional a bolsa de valores, ou seja, uma redução da da taxa básica de juros impacta positivamente na bolsa de valores.
A partir da queda do juros, espera-se que haja mais moeda na economia, o aumento da oferta monetária afeta positivamente na demanda dos bens e serviços (que causa inflação). Desse modo, o aumento da inflação e demanda por produtos na economia reflete uma valorização no ativo, e receitas das empresas, e então eleva-se o seu preço de mercado, assim, explicando a alta correlação entre Juros do mercado e Bolsa de Valores.
O aumento da SELIC, do mesmo modo, tem efeitos inversos, ou seja, espera-se redução de moeda na economia,
Outro motivo é o deslocamento do capital em renda fixa para a renda variável, vejamos como isso funciona.
Investimentos – Renda Fixa
Partindo do exemplo anterior, a queda da taxa SELIC proporciona uma expectativa de valorização na bolsa de valores, portanto, há um grande movimento de capital para a bolsa de valores, esperando-se valorização.
Além das expectativas dos agentes econômicos, o trade-off (troca) entre risco e retorno também colabora com o deslocamento para renda variável. A queda da SELIC reduz a rentabilidade de títulos atrelados ao DI, portanto, torna-se mais atrativo ao agente econômico racional optar por um nível maior de risco, compensando a perda de rentabilidade devido a queda do Juros.
Os títulos de renda fixa são divididos entre pré-fixados, pós-fixados.
Quando um títulos é pós-fixados atrelado a DI, isso significa que a rentabilidade desse título sofre variações de acordo com a SELIC, com efeitos diretamente proporcionais, uma redução da SELIC, reduz a taxa praticada em operações CDI, reduzindo a taxa DI.
Em títulos pré-fixados, o rentabilidade já é conhecida no momento da aplicação, não dependendo de flutuações de taxa juros. Por isso, a taxa SELIC tem efeitos inversos sobre o preço desse tipo de títulos. Acompanhe nosso exemplo, ficará mais simples seu entendimento:
Um título pré-fixado do governo é adquirido por João no dia 15/06/2020, a uma rentabilidade de 4% ao ano, três dias depois joão entra em sua corretora e nota uma valorização de aproximadamente 0,75% no preço do seu título adquirido. Após entrar em contato com um amigo, que é especialista em investimentos, ele descobre que o COPOM reduziu a taxa SELIC em 0,75%, e isso impactou não somente os títulos pós-fixados, que têm rentabilidade atrelada à SELIC, mas também os títulos pré-fixados passaram a oferecer menor rentabilidade, acompanhando os pós-fixados (seus “concorrentes”).
Para entender melhor, Jõao visualizou as ofertas de títulos públicos no dia 18/06/2020 e verificou que a rentabilidade dos títulos pré-fixados no mercado havia caído cerca de 0,75%. Ou seja, o título que joão possui em sua carteira obteve uma valorização em seu preço, pois o mercado passou a ofertar títulos com rentabilidade menor que o da carteira do João. Em outras palavras, uma analogia, João comprou uma 1kg de tomates na promoção, três dias depois, acabou a promoção e o preço do tomate subiu, logo, os tomates que joão comprou sofreram uma valorização, acompanhando o mercado.
O contrário seria João comprar um título público, e haver um aumento na SELIC, nesse caso, haveria uma desvalorização dos títulos pré-fixados no mercado.
Dívida Pública
Parte da dívida pública é pós-fixada, depende das variações da SELIC, portanto, o aumento da SELIC ocasiona, aumento dos juros a serem pagos pelo governo Brasileiro, e uma redução, significa menos juros a serem pagos.
O volume de dívida de um país pode interferir nos impostos cobrados a população, ou seja, o aumento da SELIC, pode gerar aumento da dívida, que por sua vez, pode criar a necessidade de reajustes nos nossos impostos.
Mercado Imobiliário
Provavelmente você já ouviu falar que SELIC baixa favorece o mercado imobiliário. Isso é verdade, mas é necessário que você esteja atento a alguns detalhes.
Conforme discutido nesse texto, a SELIC interfere no juros de todo o mercado, inclusive nos financiamento de imóveis. Ou seja, fica mais barato financiar imóveis, quando a SELIC está em baixa, aumentando a demanda por esses bens, e justamente esse aumento da demanda pode refletir em aumento dos preços dos imóveis, deixando, muitas vezes, a compra menos atrativa.
Conclusão
Através deste texto, tivemos o objetivo de apontar os inúmeros efeitos da taxa SELIC e entender como funciona essa taxa tão importante a economia.
Claro, você não se tornou um expert sobre o tema, mas espero que a partir do texto, você tenha adquirido um entendimento básico sobre o assunto, conseguindo compreender a importância da taxa de juros em questões econômicas, e também, os seus efeitos, na sua vida.
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O presente material não tem o intuito de garantir que o conteúdo apresentado será uma estratégia efetiva para os seus investimentos e, tampouco, que as informações poderão ser aplicadas em quaisquer condições de mercados. O leitor não deve utilizar as informações disponibilizadas como substitutas de suas habilidades, julgamento e experiência ao tomar decisões de investimentos ou negócios.